Entrepostos mantêm-se abastecidos pelo produto dos sequestros fratricidas praticados entre tribos rivais e pela ação de mercenários e negreiros em regiões descontínuas da “Costa dos Escravos”, Golfo de Benin: angolas, hutus e outros homens e mulheres escravizados vindos de todas as partes do território que irão - a pauladas e já com monogramas marcados a ferro quente - abarrotar os navios negreiros em meio a febres e diarréias. Carga viva (peças de mercado: uma de quinze anos, ou duas de sete, em média), assustada e seminu, que não ultrapassará, muito provavelmente, os dez anos de vida útil nos canaviais brasileiros. Na praia - em Wuidá, antes do embarque – têm que dar voltas rituais e estratégicas em torno da “árvore do esquecimento”, quando, supunha-se, perderiam sua memória, esquecendo seu passado, suas origens, sua identidade cultural, como imunidade ao banzo que matava na viagem e para se tornarem seres sem nenhuma capacidade de reação e rebeldia, para uma travessia caracterizada por maus tratos, espancamentos preventivos e má alimentação. Traficando ao Brasil, os negreiros trazem homens coisificados e desumanizados, “servus non habent personam”: sujeitos sem alma, antepassados, nome ou bens próprios. Insanamente, por meses, homens da tripulação navegam no fio da navalha, lidando a seu ver com animais, seres inferiores, mas, de fato, com um carregamento multiétnico de corpos e espíritos livres e diversidade cultural explosiva. O caldo cultural adequado para práticas que viriam a se configurar, já no Brasil, como - dentre outras tantas em gestação - o jogo da capoeira e o samba…
*CABECEIRO é o blog pessoal de Marcos Dal Bello, uma compilação de seus textos dos últimos vinte anos. Se você tem interesse em estudar redação com Marcos, pode, através deste blog, avaliar suas características textuais (www.cabeceiro.blogspot.com).
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